Se você largar uma maçã a 10 metros de altura do chão, poderá, com as Leis de Newton, calcular o instante exato em que a maçã atingirá o solo. Se a medida da altura não for exata, tiver um erro pequeno, seu resultado também trará uma pequena incorreção. Mas em alguns fenômenos físicos, erros mínimos nos dados utilizados podem gerar resultados com discrepâncias enormes. Esse fenômeno é popularmente conhecido como Efeito Borboleta. Sistemas sujeitos a esta sensibilidade com relação aos dados iniciais são estudados na Matemática pela Teoria do Caos. Um dos exemplos mais importantes de sistema caótico é o clima. Há até uma alegoria que diz que o bater de asas de uma borboleta de um lado do planeta pode gerar um tufão do outro lado. Se você já teve planos de praia ou piquenique frustrados por uma chuva imprevista, não culpe os meteorologistas, eles disputam cada grau centígrado de suas previsões com o próprio Caos.



INFORMAÇÕES COMPLEMENTARES

SISTEMAS DINÂMICOS

A teoria do caos também é conhecida como teoria de sistemas dinâmicos. Mas o que é um sistema dinâmico? Vamos exemplificar com um sistema dinâmico discreto que corresponde a uma aplicação financeira e pode ser facilmente compreendido.

Imagine que você aplicou 50 mil reais num fundo que rende uma taxa fixa de 1% ao mês e que em cada mês, no dia em que entrarem os juros na conta, você vai retirar 100 reais desta aplicação. No fim do primeiro mês, haverá na conta os 50 mil, mais 500 reais de juros (1% de 50 mil), menos os 100 reais que você retira da conta. Resulta que haverá 50.400 reais.

x + x/100 − 100,

isto é

1,01 x − 100.

Portanto, a partir do valor que se tem no início do mês, podemos calcular o valor que teremos no fim do mês usando a função f dada pela fórmula

f(x) = 1,01 x − 100.

Se começamos com 50 mil, no fim do primeiro mês teremos f(50.000) = 1,01 × 50.000 − 100 = 50.400 reais.

No fim do segundo mês teremos f(50.400) = 1,01 × 50.400 − 100 = 50.804 reais. Veja que f(50.400) = f(f(50.000)).

No fim do terceiro mês teremos f(50.804) = 51.212,04 reais. Novamente, f(50.804) = f(f(50.400)) = f(f(f(50.000))).

Para simplificar a notação vamos usar f 2(x) para nos referir a f(f(x)), f 3(x) para denotar f(f(f(x))) e assim por diante.

Podemos construir uma tabela que nos dirá quanto teremos mês a mês:

f 1(50.000) R$ 50.400,00
f 2(50.000) R$ 50.804,00
f 3(50.000) R$ 51.212,04
f 4(50.000) R$ 51.624,16
f 5(50.000) R$ 52.040,40
f 6(50.000) R$ 52.460,81
f 7(50.000) R$ 52.885,41
f 8(50.000) R$ 53.314,27
f 9(50.000) R$ 53.747,41
f 10(50.000) R$ 54.184,89
f 11(50.000) R$ 54.626,73
f 12(50.000) R$ 55.073,00

Um sistema dinâmico discreto é uma função como a função f acima, que podemos aplicar repetidamente para obter valores de certa variável correspondentes a momentos sucessivos.


CAOS

Mas e o caos, como ele surge? Alguns sistemas dinâmicos possuem grande sensibilidade com relação aos dados iniciais. Isso significa que se começarmos a iterar a função a partir de dois pontos diferentes, mesmo que esses pontos sejam muito próximos, o resultado depois de algumas iterações será muito diferente para um ponto e para outro.

Novamente, vamos utilizar alguns exemplos para facilitar a compreensão. Primeiro consideremos um sistema dinâmico correspondente à função f(x) = x + 2. Vamos iterar esse sistema para dois pontos iniciais bem próximos, 0 e 0,001 (a distância entre eles é de um milésimo). A tabela abaixo mostra os valores obtidos nas sucessivas iterações de f partindo de cada um destes pontos e também a distância entre os resultados obtidos com cada ponto inicial:

n f n(0) f n(0,001) f n(0,001) − f n(0)
1 2 2,001 0,001
2 4 4,001 0,001
3 6 6,001 0,001
4 8 8,001 0,001
5 10 10,001 0,001
6 12 12,001 0,001
7 14 14,001 0,001
8 16 16,001 0,001
9 18 18,001 0,001
10 20 20,001 0,001
11 22 22,001 0,001
12 24 24,001 0,001
13 26 26,001 0,001
14 28 28,001 0,001
15 30 30,001 0,001
16 32 32,001 0,001
17 34 34,001 0,001
18 36 36,001 0,001
19 38 38,001 0,001
20 40 40,001 0,001

Podemos ver que, não importa quantas vezes iteremos, a diferença entre o resultado obtido quando partimos do ponto 0 ou quando partimos de 0,001, é sempre a mesma, um milésimo.

Vamos considerar, agora, um sistema diferente, o sistema dado pela função g(x) = x2 + 1:

n gn(0) gn(0,001) gn(0,001) − gn(0)
1 1 1,000001 0,000001
2 2 2,000002 0,000002
3 5 5,000008 0,000008
4 26 26,00008 0,00008
5 677 677,00416 0,00416
6 458330 458335,63 5,63
7 210066388901 210071552181,61 5163280,61
8 4,41 × 1022 4,41 × 1022 2,17 × 1018
9 1,95 × 1045 1,95 × 1045 1,91 × 1041
10 3,79 × 1090 3,79 × 1090 7,46 × 1086
11 1,44 × 10181 1,44 × 10181 5,66 × 10177

Como podemos observar, para esta função g, a diferença entre os resultados obtidos a partir do valor inicial 0 ou do valor inicial 0,001 cresce rapidamente. Na sétima iteração já é da ordem de milhões. Isso significa que se você usar a função g para modelar algum fenômeno natural, erros ou aproximações da ordem de um milésimo em seus dados iniciais podem gerar diferenças gigantescas no resultado obtidos após algumas iterações.

Certamente, pode-se argumentar que no caso do exemplo dado, o erro relativo não é tão grande, isto é, a diferença entre gn(0) e gn(0,001) é de ordem bem inferior aos valores absolutos de gn para cada uma dessas condições iniciais. Há, entretanto, outras funções para as quais o erro relativo cresce rapidamente. Tente, por exemplo, montar as tabelas acima para a função h(x) = −4 x2 + 4x e itere para os pontos iniciais 0,3 e 0,30001.


REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

Rosa, L. S.; Pereira, W. F. Uma Introdução aos Sistemas Dinâmicos Caóticos via Família Quadrática. FAMAT em Revista, n. 12, 2009.




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Responsável: Anne Michelle Dysman Gomes.
Idealização: Anne Michelle Dysman Gomes e Humberto José Bortolossi.
Roteiro: Anne Michelle Dysman Gomes.
Informações complementares: Anne Michelle Dysman Gomes.
Locução: Eric Brasil.
Técnico de som: Eric Maia.
Revisão: Patrícia Maia.
Página WEB: Humberto José Bortolossi.

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